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Há alguns anos, tem-se falado e debatido sobre “Reforma Tributária”, inclusive com alguns projetos legislativos já encaminhados para o Congresso Nacional.

No ano passado, o Governo Federal elaborou um projeto “do governo” envolvendo a fusão do PIS/COFINS através da criação da contribuição social sobre operações com bens e serviços (CBS). Ao contrário dos projetos que estavam sendo debatidos, o Governo Federal não pretende mexer com ICMS nem ISS.

Na semana passada, o Governo Federal encaminhou ao Congresso Nacional um segundo projeto de lei (PL 2337/2021), agora voltado ao imposto de renda das pessoas físicas e pessoas jurídicas. Veja o PL na íntegra aqui.

Nessa semana, em notícia extraída do site da Receita Federal, nos deparamos com alguns assuntos tratados no projeto, sob a bandeira de “justiça fiscal”, “progressividade na tributação sobre a renda”, “simplificação tributária”, “redução da carga tributária para alguns contribuintes” e outras expressões sentimentais ou pomposas na tentativa de cativar e atribuir uma maior legitimidade.

Para os empresários, há perspectivas boas e ruins.

Nas primeiras análises do texto, incluindo a exposição de motivos e reportagens, entendo que estamos diante de uma “velha-nova batalha” entre dois grupos de interesses, que, na verdade, apenas retomam a “antiga luta de classes” entre os empresários (de  um lado) e os trabalhadores (de outro).

Nas contas do Governo, a arrecadação tributária praticamente não irá aumentar nem reduzir, ou aumentar “só um pouco”, conforme item 33 da exposição de motivos:

 

“Cabe informar que as medidas referentes à tributação de lucro e dividendos distribuídos, à revogação da dedutibilidade dos juros sobre o capital próprio, ao mercado financeiro e à atualização do valor dos bens imóveis para o ano de 2022 acarretarão um aumento de receitas tributárias estimado em R$ 32,33 bilhões em 2022, em R$ 55,04 bilhões em 2023 e em R$ 58,2 bilhões em 2024. As medidas referentes à redução da alíquota do IRPJ, a atualização da tabela progressiva da pessoa física e à atualização do valor dos bens imóveis para os anos de 2023 e 2024 acarretarão uma redução de receitas tributárias estimada em R$ 32,02 bilhões em 2022, em R$ 54,71 bilhões em 2023 e em R$ 57,61 bilhões em 2024”.

 

Essa informação oficial já esclarece que o objeto é “reduzir” a tributação dos trabalhadores e compensar/neutralizar essa perda com a elevação da tributação sobre os empresários. Essa é, portanto, a conclusão que se extrai da própria exposição de motivos e das notícias até então veiculadas: enquadrar ou tentar vender que essa “reforma” do imposto de renda é para reduzir o imposto para os trabalhadores e aumentar para os empresários ou, de forma mais clara e simbólica: recalibrar a carga do imposto, reduzindo o imposto para os “pobres” e aumentando para os “ricos”.

Contudo, esse ganho prometido ou projetado para os trabalhadores pode ser mais um triste exemplo de “ilusão fiscal” que o financista italiano Amílcare Puviani já denunciava desde o início do século XX, criando uma falsa percepção tributária sobre o novo projeto, de que não haverá aumento da carga tributária.

A propósito, recomenda-se a leitura desse recente texto de autoria do tributarista Prof. Fernando Facury Scaff publicado no CONJUR, cujo título é bastante esclarecer: “o projeto de remendo no Imposto de Renda e seu populismo eleitoral”.

De forma até simplificada, o aumento da carga tributária para os empresários provavelmente será levado em conta na hora da precificação dos serviços e das mercadorias, de tal forma que “alguém” vai pagar essa conta lá na ponta final, e esse “alguém” é exatamente os trabalhadores “beneficiados” com a atualização da tabela do IRPF!

Começando pelas boas notícias, o PL 2337/2021 atualiza a tabela do imposto de renda das pessoas físicas, aumentando as faixas de isentos e das alíquotas progressivas, medida que aparentemente favoreceria os assalariados e autônomos. Ocorre que essa expectativa pode ser frustrada pela previsão de limitar o “desconto simplificado” do IRPF (desconto presumido de 20% sobre os rendimentos)  apenas para os contribuintes que recebem até R$ 40.000,00 no ano, ou seja, todos os demais contribuintes apurariam a base do IRPF pelo regime da declaração completa. Vale lembrar que os descontos admitidos pela legislação tributária são limitados aos dependentes, saúde, educação, previdência e doações incentivadas. Os contribuintes sem dependentes (ou com poucos), e que não tiverem tais gastos dedutíveis, serão prejudicados. Resta saber, no caso concreto, se ganharão ou perderão mais. Aliás, no artigo acima referido do Prof. Fernando Scaff, ele “profetiza” algo que realmente deve ocorrer: na entrega da declaração completa de 2023 (referente 2022), muitos contribuintes serão surpreendidos com a necessidade de pagar saldo devedor do IRPF, diante da exclusão do desconto simplificado.

Outra (aparente) boa notícia é a previsão de redução na alíquota do IRPJ de 15% para 12,5% em 2022 e depois, para 10%, a partir de 2023. Além disso, a apuração do IRPJ-lucro real passaria a ser trimestral, e sem travas de compensação com prejuízo fiscal, logo, um benefício para as empresas do lucro real que apresentam prejuízos acumulados.

Todavia, o PL também ressuscita a tributação sobre a distribuição de lucros e dividendos, afastando a atual isenção. O projeto pretende cobrar 20% de imposto de renda sobre a distribuição de lucros e dividendos.

Para as microempresas e empresas de pequeno porte, haveria um limite de isenção até R$ 20.000,00 por mês; acima disso, tributação de 20%.

Neste foco de tributação sobre lucros e dividendos, o projeto amplia o rol de hipóteses consideradas como “distribuição disfarçada de lucros” (DDL).

Outra vantagem que pode interessar aos contribuintes é a antecipação do imposto de renda sobre lucro imobiliário. O projeto autoriza os proprietários de imóveis a atualizarem o valor dos imóveis com tributação de 5%; atualmente, a tributação sobre o ganho de capital varia entre 15% e 22,5%. Esse favor fiscal poderia ser optado pelo contribuinte no primeiro quadrimestre de 2022.

Agora, as primeiras notícias sobre esse projeto não estão tratando de algumas “maldades” fiscais.

Inicialmente, destaco a previsão de que as empresas que alugam e comercializam imóveis (incluindo as holdings patrimoniais) estariam forçadas a apurar o IRPJ e CSLL no regime do lucro real, além da maior incidência do PIS/COFINS (ou da CBS, se aprovada). Se aprovada essa mudança, a expectativa é que a carga triplique para essas atividades de locação.

Para as sociedades em conta de participação (SCP), a atividade precisará obrigatoriamente seguir o regime de tributação da sócia ostensiva.

Não será mais admitida a dedutibilidade dos juros sobre capital próprio (JCP) para fins de IRPJ, mantendo-se apenas com relação à CSLL.

O projeto também contempla a majoração da carga tributária para os contribuintes que auferirem lucros obtidos em investimentos estrangeiros.

Por fim, o PL também mexe na tributação sobre o mercado financeiro, prevendo alíquota única de 15% e alguns ajustes na tributação dos fundos de investimentos.

É claro que muita coisa ainda vai rolar sobre esse tema; inclusive, esse projeto pode passar apenas parcialmente. Vamos acompanhar…

Omar Augusto Leite Melo
Advogado e consultor tributário com mais de vinte anos de experiência profissional; professor de Direito Tributário; mestrando em Direito na área de concentração “Sistema Constitucional de Garantias de Direitos” no Centro Universitário de Bauru – ITE; presidente da Comissão de Análise Econômica do Direito e Jurimetria na OAB/SP – Subseção de Bauru; pós-graduado em Direito Tributário pelo Centro de Extensão Universitária – CEU; editor da Revista Eletrônica Tributo Municipal; foi conselheiro no Conselho Municipal de Contribuintes de Bauru/SP; autor de livros e de artigos publicados em revistas jurídicas especializadas.