Faltando pouco mais de uma semana para o fim do prazo de inscrição no Litígio Zero, que permite que valores em discussão no Carf sejam transacionados, advogados narram uma baixíssima procura pelo programa. Para tributaristas, o motivo seria o baixo número de parcelas da transação e o fato de os melhores benefícios serem restritos aos débitos de difícil recuperação.

Especialistas questionam a forma como a Receita Federal tem definido quais dívidas podem ser consideradas como de difícil recuperação. A análise da capacidade de pagamento pode fazer com que grandes empresas não tenham benefícios, tornando o programa atrativo apenas a pequenas empresas ou a companhias com processos em discussão há mais de dez anos na esfera administrativa.

O Programa de Redução de Litigiosidade Fiscal, ou Litígio Zero, foi uma das medidas do pacote econômico divulgado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no começo de janeiro. A transação, que consta na Portaria Conjunta RFB/PGFN 1/23, permite que os débitos acima de 60 salários mínimos em discussão no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) ou nas Delegacias da Receita Federal de Julgamento (DRJs) sejam parcelados em até nove vezes. Há a possibilidade de utilização de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa de CSLL para pagamento de até 70% do valor.

A portaria prevê ainda a redução de até 100% dos juros e das multas, porém somente para débitos classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação.

Os maiores benefícios do programa foram concedidos a pessoas físicas, micro e pequenas empresas e contribuintes com débitos de até 60 salários mínimos. Esse público, independentemente da capacidade de pagamento, pode parcelar débitos em 12 vezes, com redução de até 50% do valor, inclusive do principal.

As inscrições no programa vão até 31 de março. Em janeiro, quando a medida foi anunciada, integrantes do Ministério da Fazenda afirmaram que a pasta esperava a solução de 30 mil processos no Carf, o que corresponderia a mais de R$ 720 milhões. Nas DRJs seriam extintos cerca de 170 mil processos, envolvendo quase R$ 3 bilhões.

Perto do fim do prazo para adesão, porém, advogados narram uma baixa procura pelo programa. O JOTA consultou profissionais de quatro grandes escritórios de advocacia, que afirmaram que até agora apenas dois clientes optaram pelo Litígio Zero.

“Fizemos a avaliação para possível adesão para mais de dez empresas, mas nenhuma delas se animou a aderir”, afirmou a advogada Ana Cláudia Utumi, do Utumi Advogados. Segundo ela, alguns clientes se mostraram “inconformados” com o fato de os débitos de difícil recuperação terem condições de pagamento mais vantajosas em relação aos demais.

O advogado João Colussi, do Mattos Filho Advogados, também diz que não fechou nenhuma adesão ao programa. “O que deveria ter sido feito, na minha opinião, é estender [o desconto] para todo mundo, sem ficar medindo capacidade de pagamento, capacidade de solvabilidade e capacidade de recuperação”, afirma.

Já o advogado Pedro Bini, coordenador do contencioso administrativo federal do schneider, pugliese, diz que o Litígio Zero pode ser interessante para pequenas companhias ou para empresas com processos parados há mais de dez anos na esfera administrativa. É o caso de dois clientes do escritório que aderiram ao programa.

No caso dos processos que estão no Carf ou nas DRJs há mais de dez anos, a Portaria 1/23 equipara a situação a um débito irrecuperável. Assim, é possível ter acesso às reduções nas multas e juros.

Já em relação às pequenas empresas, Bini explica que a Receita tem observado a capacidade de pagamento do contribuinte para definir se um débito é  irrecuperável ou de difícil recuperação. Esse critério pode prejudicar principalmente grandes empresas. “Se é um grande contribuinte, com números bons, muito ativo, o desconto é zero”, sintetiza.

Além da concessão de descontos nos juros e multas apenas aos débitos de difícil reparação, tributaristas questionaram o baixo número de parcelas disponibilizadas aos contribuintes.

Nem mesmo a volta do voto de qualidade, que vem acarretando a alteração da jurisprudência no Carf, foi capaz de “impulsionar” os contribuintes em direção ao Litígio Zero, segundo tributaristas.

Para Utumi, é mais provável que as empresas optem por ir ao Judiciário após perder no conselho. “A depender do tema, se houver boa base para brigar, provavelmente as empresas não vão aceitar aderir ao Programa de Redução de Litigiosidade e vão preferir continuar disputando”, afirma.

Já Bini salienta que a MP 1160/23, responsável pela volta do voto de qualidade como único critério de desempate no Carf, ainda não foi analisada pelo Congresso. A depender do texto aprovado, as condições para pagamento após uma derrota no Carf podem ser mais benéficas em relação às do Litígio Zero.

Questionada sobre quantos contribuintes já aderiram ao programa e os valores transacionados, a Receita Federal afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que “somente após o prazo final de adesão é que iremos fazer um balanço, divulgando as adesões”.

BÁRBARA MENGARDO – Editora em Brasília. Coordena a cobertura de tributário nos tribunais superiores, no Carf e no Executivo. Antes de trabalhar no JOTA atuou no jornal Valor Econômico, tanto em São Paulo quanto em Brasília. Email: [email protected]

 

NOSSO COMENTÁRIO: Conforme previsto, o Litígio Zero não foi tão bem aceito pelos contribuintes. Apesar de apresentar descontos interessantes, as condições de pagamento são tão atrativas. Além disso, o rol de débitos passíveis de inclusão se apresentou muito limitado, atingindo um público bastante específico. Novos programas devem (precisam!) surgir para efetivamente aliviar os efeitos da crise econômica que enfrentamos como consequência da pandemia e suas necessárias limitações comerciais.

Adalberto Vicentini Silva